sábado, 10 de abril de 2010

O mundo das Aparências

Retirado do blog:http://oinimputavel.blogspot.com/

“ (…)
O Evangelho de São João refere-nos que o Senhor apresentava o “medo dos judeus” como o impedimento fundamental da fé. Para esclarecer a oposição entre fé e medo o evangelista prefere servir-se da ambiguidade da palavra grega doxa, que em geral exprime “aparência”, “esplendor”, etc. Este significado de fundo divide-se em duas direcções opostas. Por um lado designa-se com este termo a mera aparência, aquilo que “parece” mas não é, significando assim a opinião e a aparência de verdade que esta gera. Mas por outro lado a palavra também é usada para referir o real “esplendor”, a glória de Deus, para referir a opinião que Ele tem do homem e do mundo, e esta opinião é verdade, é realidade.
Porém as duas espécies de “aparência” entram em contradição no mundo. A opinião dos homens é poder. Mesmo não concordando com a verdade, exerce o seu poder, tem de se contar com ela. O indivíduo cria, igualmente, uma imagem e si mesmo, uma “aparência” mediante a qual pretende afirmar-se na opinião dos outros; quer guardar a sua “aparência” e para isso deve vergar-se à “aparência” alheia. A própria verdade é longínqua e não mostra o seu poder, mas a opinião dos homens existe e é poder dominante, portanto somos julgados de acordo com ela. O homem teme mais a aparência, que lhe é próxima, do poder humano da opinião que a luz distante e desarmada da verdade. Verga-se assim ao poder da opinião e torna-se ele mesmo seu aliado, um dos seus portadores. Uma vez tendo começado a confiar-se a ela tem de continuar a segui-la passo a passo. Já não pode romper a rede da deformação comum. Nas suas acções já não se orienta em função da realidade mas em função das presumíveis reacções dos outros. Chega-se a um domínio da opinião, do falso. Deste modo, toda a vida duma sociedade, as decisões políticas e as decisões pessoais, se funda numa ditadura do falso, no modo como as coisas são representadas e referidas em vez de na própria realidade. Toda uma sociedade pode assim cair da verdade para o engano comum, para uma escravatura do falso, do não-ser. A redenção que o Logos, a Palavra encarnada de Deus, oferece é em essência libertação da escravatura da aparência, retorno à verdade. Mas a passagem do aparente à luz da verdade dá-se na forma de cruz.
Hoje em dia, na sociedade determinada pelos meios de comunicação social, esta imagem do homem e do seu mundo assumiu uma nova e oprimente realidade. O que é mostrado e “parece” (por exemplo, na televisão) é mais forte que a realidade. A “aparência” do mundo na comunicação social converte-se cada vez mais no autêntico governo do mundo. O medo do aparente torna-se poder universal e paralisa a coragem da verdade.
(…).”

In “Olhar para Cristo – Exercícios de fé, esperança e caridade”, 2006, pelo Cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), pp. 95-96.

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