sábado, 5 de março de 2011

A Tomada de consciência e o memorícidio I

Que o desespero e apostasia, não entrem nos nossos corações, ante as vitórias do mal, Ámen!

Continuação

Vai ser necessário aguardar a queda de Robespierre para que a opinião pública local, nacional e internacional tome consciência da «enormidade do acto» cometido na Vendeia. À estupefacção geral, segue-se muito em breve a cólera. Exigem-se culpados e aplicação de penas: os testemunhos afluem, publicam-se escritos, revelam-se documentos. O processo Carrier só se compreende neste contexto: o homem é visto simultaneamente como «um grande criminoso contra os direitos fundamentais dos homens» e o bode expiatório que deve pagar por todos os outros. Uma vez este desaparecido, espera-se que o esquecimento faça tábua rasa deste crime que mancha, sabemo-lo já, de maneira indelével, a Revolução. o seu processo é de uma modernidade espantosa e, no fundo, muito próximo do de Nuremberga. São formuladas cinco grandes questões: Quem é culpado? Quem é responsável? Como deve ser sancionado este crime contra a humanidade? Como registar na memória este crime de Estado? Como classificá-lo? Esta última questão está a ser objecto de longos debates em razão da especificidade primordial desta política de aniquilamento e de extermínio. À falta de uma palavra que o defina, Gracchus Babeuf vai recorrer a um neologismo: o populicídio. De facto, o horror é de tal ordem que as consequências políticas se impõem a todos: para além dos homens, é o regime político que é condenado. Inicia-se então uma corrida contra o relógio, estando em jogo a própria sobrevivência da Revolução e dos revolucionários.
Tudo se joga entre o processo Carrier de Dezembro de 1794 e o de Turreau em Dezembro de 1795. O contexto era o da reconciliação e do esquecimento: os vendeanos, pelos tratados de la Jaunaye (17 de Fevereiro de 1795) e de Saint-Florent-le-Vieil (de Maio de 1795) e os chouans da bretanha, pelo de la Mabilais (20 de Abril de 1795) prestam-se ao jogo tanto mais facilmente quanto lhes prometem secretamente a restituição do delfim rei Luís XVII, para o qual construíram uma casa em Belleville, e a restauração da monarquia que surge como o único sistema capaz de garantir a liberdade e a segurança geral. Além disso, esta paraece inevitável e as eleições legislativas estão próximas: os republicanos encontram-se divididos, a miséria do país é real, a opinião pública sente-se ultrajada.
Os convencionais, desesperados e amedrontados, decidem forçar o destino: uma carta escrita por sete deles (Tallien, Treillard, SIeyès, Doulcet, Rabaut, Marec, Camvacérès) e expedida a Guezno, o representante do povo, explica a estratégia a reter: «É impossível, caro colega, que a República se possa manter, se a Vendeia não for for inteiramente subjugada. Não podemos por nós próprios acreditar na nossa segurança senão quando os bandidos que infestam o Oeste desde há dois anos forem colocados em posição de não nos poderem prejudicar e contrariar os nossos projectos, quer dizer, quando foram exterminados. Já representa um sacrifício demasiado vergonhoso termos sido reduzidos a tratar da paz com rebeldes, ou melhor, com celerados cuja grande maioria mereceu o cadafalso. Convence-te de que eles nos destruirão se não os destruirmos nós primeiro. Eles não puseram mais boa fé do que nós no tratado assinado, que não lhes deve inspirar nenhuma confiança nas promessas do governo. As duas partes transigiram, sabendo bem que se enganavam. É por causa da impossibilidade em que nos encontramos de esperar que possamos abusar durante mais tempo dos vendeanos, impossibilidade igualmente demonstrada a todos os membros dos três comités, que será necessário procurar os meios de prevenir homens dotados de tanta audácia e actividade como nós. É necessário não adormecer, pois o vento ainda não agita os ramos mais fortes, mas está muito perto de soprar com violência. Aproxima-se o momento em que, segundo o artigo II do tratado secreto, é preciso apresentar-lhes uma espécie de monarquia, e mostrar-lhes essa criança pela qual eles se batem. Seria demasiado perigoso dar uma tal passo; perder-nos-ia para sempre. Os comités apenas encontraram um meio dos bandidos reside no fanatismo que os seus chefes lhes inspiram; importa prendê-los e dissolver assim de um só golpe esta associação monárquica que acabará connosco se não nos apressarmos em evitá-lo. Mas é necessário não perdermos de vista, caro colega, que a opinião cada dia se torna para nós ainda mais necessária do que a força; é preciso tudo sacrificar para colocar a opinião do nosso lado. É necessário fazer supor que os chefes insurrectos quiseram romper o tratado, tornarem-se príncipes dos departamentos que ocupam; que estes chefes têm relações secretas com os Ingleses; que querem oferecer-lhes a costa, pilhar a cidade de Nantes e embarcarem com o fruto das suas rapinas. Faz interceptar correios portadores de cartas deste género, clama contra perfídia e usa sobretudo, neste primeiro momento, de uma grande aparência de moderação a fim que o povo veja claramente que a boa fé e a justiça estão do nosso lado. Repetimos-to, caro colega, a Vendeia destruirá a Convenção, se a Convenção não destruir a Vendeia. Se puderes ter na mão os onze chefes, o rebanho dispersar-se-á. Concerta-te no local com os administradores de Ille-et-Vilaine. Comunica a presente carta imediatamente após a sua recepção aos quatro representantes do bairro. É necessário aproveitar a surpresa e o desânimo que deve causar a falta dos chefes para operar o desarmamento dos vendeanos e do chouans. É preciso que eles se submetam ao regime geral da República ou então que pereçam; nada de meios-termos; nada de meias medidas, elas estragam tudo quando se trata de revolução. É imperativo, se for necessário, empregar o ferro e o fogo, mas tornando os vendeanos culpados aos olhes da nação pelo mal que nós lhe fazemos. Aproveita, caro colega, nós to repetimos, as primeiras aparências que se apresentaram para dar o grande golpe, porque os acontecimentos pressionam de todos os lados [...].»
Por um acaso inaudito, esta carta caiu nas mãos dos chouans em Châteaugiron, em 10 de Junho, quer dizer, dois meses depois da intercepção de um comboio de veneno nos arredores de Ancenis, na quinta de Volfrèse, pelo visconde de Scepeaux: é a estupefacção e a cólera. Em 22 de Junho, por uma proclamação solene aos habitantes do Poitou, de Anjou, do Maine, da Bretanha, da Normandia e de todas as províncias de França, os principais chefes bretões e vendeanos protestam contra o uso de tais métodos e gritam traição. É tarde de mais: os convencionais tinham já trabalhado em profundidade: o desembarque de Quiberon, em 27 de Junho, o golpe de Estado de 13 de Vindemiário (5 de Outubro) farão o resto: a opinião pública nacional passará a considerar para todo sempre os vendeanos e os chouans como homens perjuros.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande

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