domingo, 31 de julho de 2011

«Liberdade, Igualdade,Fraternidade» Ou a impossiblidade de ser Filho pt 3

Da nossa dor Senhor, afastai o ódio ensinando-nos a ser misericordiosos, Ámen!

LIBERDADE

A melhor descrição de liberdade, pensada pelos modernos e aplicada pela Revolução Francesa, encontra-se, sem dúvida, na obra de Simone de Beauvioir, Pour une Morale de L'Ambiguité. Neste livro, onde a autora tenta honestamente fundar uma moral baseada sobre a liberdade, vejamos como ela descreve esta última: «[...] pretender o desvendar do mundo, querer-se livre, constitui um só e único movimento. A liberdade é a fonte de onde surgem todas as significações e todos os valores; é a condição original de qualquer justificação de existência; o homem que procura justificar a sua vida deve querer antes de mais e absolutamente a própria liberdade.»
Estabelecer, como faz Simone de Beauvoir, a liberdade como fonte de toda a moral, é propor que a vida humana se assemelhe a esses parafusos sem princípio nem fim que giram indefinidamente e cuja própria visão provoca vertigem, já que o olhar não pode deter-se sobre coisa alguma, pois a curva é contínua, mas não conduz a lado algum. Mesmo que mais adiante, na sua obra, a autora esteja bem ciente do risco e recuse a ideia de que a liberdade seja «este átomo epicurista que deriv[a]. não importa em que momento, não importa em que direcção», não impede que, se nada fundamenta a liberdade, ela não pode, portanto ter outras finalidades que não sejam ela mesmo.
Ao decretar legislativamente que os homens nasciam livres por natureza e por direito, os revolucionários fantasiaram a natureza e atribuíram ao direito o que ele não pode fazer.
Apenas se é livre por dom e engana-se aquele que está convencido de que pode garantir a perenidade de um dom decretando que ele é natural ou proclamando o direito a ele. Um dom é muito mais perene do que a natureza (que dá e torna a tirar, a começar pelo primeiro dos seus dons que é a vida); quanto ao direito escrito, um outro escrito pode anulá-lo, aí reside toda a sua fraqueza. O que existe pelo escrito pode cessar de existir por meio de uma outro escrito. Em contrapartida, o que é dado não pode retomado, visto que o dom é uma extensão de si mesmo que nunca pode ser recuperada. Se Deus nos criou livres, é porque Ele mesmo se deu e não pode retomar-se sem nos destruir e sem se destruir.
Se os homens nascem livres, é porque isso se faria naturalmente e é, portanto contraditório decretá-lo por escrito. O que é escrito é justamente o que não é natural e tem necessidade desse escrito para existir.
Ao confundir e misturar as liberdades públicas (que existiam sob a realeza e de que o rei era o garante, pois que elas dependiam de ele manter a sua palavra, muito mais sólida do que o escrito) e a liberdade pessoal (cujo centro é a minha consciência), os revolucionários correram o risco de que elas se contradigam uma à outra e se impeçam de funcionar.
É o meu pai que me ensina a liberdade individual (em nenhum lado isto está escrito e todavia, desde a noite dos tempos, é assim) e é o rei que garante as liberdades públicas.
Foi um dos primeiros pensadores contra-revolucionários , Joseph de Maistre, que viu imediatamente que o problema da Revolução consistia no problema do escrito:

Quanto àquele que empreende escrever leis ou constituições civis, e que julga que, porque as escreveu, pôde conferir-lhes a evidência e a estabilidade adequadas, quem quer que seja este homem, particular ou legislador, e que o digam ou não, fica desonrado, porque, dessa maneira, prova que ignora igualmente o que é a inspiração e o delírio, o justo e o injusto, o bem e o mal: ora, esta ignorância é uma ignomínia, ainda que toda a massa do vulgo aplaudisse.

Regressa agora à questão dos começos e das origens:

Toda a instituição falsa escreve muito, porque sente a sua fraqueza, e procura apoiar-se [...], nenhuma instituição grande e real poderia estar fundada sobre uma lei escrita, já que os próprios homens, instrumentos sucessivos da instituição, ignoram aquilo em que deve tornar-se, e que o crescimento imperceptível é o verdadeiro sinal da duração, em todas as ordens possíveis de coisas.

A actual inflação legislativa, em que as leis se sucedem às leis que nem mesmo tempo têm tempo de serem regulamentadas antes de serem anuladas por outras leis, constitui a prova de que até os legisladores já não acreditam naquilo que fazem.
O meu pai ensina-me a educar a minha consciência de homem livre. É ele que me faz entrar no mundo dos homens onde devo aprender a discernir o bem e o mal porque a liberdade é em primeiro lugar e antes de tudo a capacidade de, no momento crucial, dizer «sim» ou «não».
Desde sempre e em todos os tempos, homens e mulheres devem ter dito, e deverão dizer, «não» ou «sim» quando tudo à sua volta conspira para que se calem. Sob a pior das ditaduras ou sob o regime mais liberal, ninguém está exonerado do dever de se pronunciar a título pessoal.
O grave erro da teoria da liberdade republicana é o de ter feito crer um regime de liberdades públicas (que se assemelha muito a este programa: «Nós ocupamo-nos de tudo, inclusivamente da vossa liberdade») possa instaurar a liberdade.
A liberdade é eminentemente pessoal e árdua. Ela é jorro intempestivo. Não se exerce senão para cada um e em momentos específicos. O homem deve fazer raramente prova de liberdade mas, quando tem de o fazer não deve desperdiçar essa oportunidade. Quando Jean-Paul Sartre escrevia: «Nunca fomos mais livres do que quando estivemos sob a ocupação Alemã», explicava bem que a liberdade apenas se pode exercer face àquilo que a nega. Não existem países livres e países «não livres», somente os homens o são, ou não. Foi preciso uma grave ignorância do que é a liberdade neste mundo que se diz «livre» para ousar uma tal pretensão.
A ideia, segundo a qual um regime de liberdades públicas protege a liberdade individual, é um logro, não pode senão eventualmente garantir contratos que liguem os homens entre eles. Uma liberdade conquista-se é nisso que consiste a sua própria essência. Pretender proteger a liberdade individual é aniquilá-la.
Há por detrás desta ideia de regime de liberdades públicas a ideia do progresso moral da humanidade e por conseguinte a negação da possibilidade do mal. Todo o mal não é senão um defeito que se vai poder erradicar por meio da educação ou da ciência que o Estado se encarrega de proporcionar a cada um. Tudo é susceptível de ser melhorado. O progresso vai balizar o progresso moral (e ainda menos político) na história da humanidade. Este desconhecimento do mal, esta recusa em reconhecer que cada homem cada mulher terá de lutar até ao fim dos tempos contra os mesmo - exactamente os mesmos - males que os seus antepassados, conduziu ao inferno esta humanidade liberta.
O rei não era o garante da liberdade do homem (não tinha essa omnipotência), mas garantia as liberdades públicas, as que permitiam o viver em comum numa negociação constante entre os súbditos.
«Súbdito» não significa apenas «submisso», mas significa também «existir graças a e por um outro». Existir graças a, é existir por dom. O termo «súbdito» não foi, politicamente, lido senão em termos de submissão. Ora existe um outro elemento nesta palavra, que é este outro ao qual eu estou submetido. Um súbdito político existe porque um outro existe e, mais ainda, esse outro preocupa-se comigo e talvez queira mesmo que eu exista pessoalmente e politicamente. O súbdito político existe porque alguém, além dele, o deseja. Ser um súbdito político significa, pois, existir politicamente pela vontade de um mais forte e de uma mais poderoso e que este poder não serve em primeiro lugar para negar a existência do mais fraco, mas, antes para lhe conferir a existência política. O que a República recusou foi o dom da graça da existência política. Mas, ao recusá-lo, criou cidadãos que apenas existem pelo facto de estarem ali. Postados. Sem qualquer justificação. Um cidadão está portanto ali postado, tal como o está um chinquilho num jogo, a igual distância dos outros chinquilhos a ponto de uma máquina poder encarregar-se de os deslocar, de os levantar ou de os mudar de lugar. Já não é necessária a vontade humana nas relações dos chinquilhos entre eles.
Um súbdito, diversamente do chinquilho, nunca é anónimo, nunca é idêntico a um outro, porque ele existe por uma vontade humana. E compete a esta fonte garantir a minha liberdade pública, protegê-la e ser essa terceira pessoa que fará justiça quando ela for ameaçada.
No nosso sistema político actual em que conferimos a nós mesmos a nossa liberdade (tanto a liberdade interior como a liberdade política), que vale esta liberdade? Como posso ser eu mesmo o garante da minha própria liberdade? Que valor tem esta liberdade senão a própria liberdade que me dou a mim mesmo? Como posso conhecer o meu valor, e por conseguinte a minha liberdade, se mais ninguém além de mim a revela e me chama a ela?
E, finalmente, que relação mantenho com os outros, livres como eu? Se a minha liberdade me é atribuída por mim mesmo e se o meu próximo faz o mesmo que eu, é inevitável o entrechoque das liberdades ao ponto de reduzir a lei e o direito a esta falsa doutrina dotada de um falso bom senso: «A minha liberdade pára onde começa a de outro.» Que pobre liberdade, que mediocridade, que mesquinhez, que baixeza, quando a minha liberdade é tornar o outro ainda mais livre do que eu, lembrando-lhe quem lha conferiu. Não existe constrangimento entre as liberdades dos homens, mas sim comunicação mútua e interpelação constante.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande «

segunda-feira, 18 de julho de 2011

«Liberdade, Igualdade,Fraternidade» Ou a impossiblidade de ser Filho pt 2

Senhor, aquecei os nossos corações, Ámen!

IGUALDADE

Em 28 de Setembro de 11791, um decreto da Assembleia Nacional Constituinte permitia a todos os judeus, vivendo no território francês, tornaram-se cidadãos franceses. Decreto de emancipação. Decreto de assimilação. Decreto de igualdade, de semelhança. Decreto de desaparição.
Por este acto, a Revolução Francesa fez o oposto de um acto político precedente no qual toda a história tinha encontrado a sua fonte, um decreto vindo do próprio Deus: «Eu vi a miséria do meu povo no Egipto e ouvi-o lamentar-se [...]. Eu desci para o livrar das mãos dos Egípcios (Ex 3, 7-8). Deus criou todos os homens no mesmo élan de amor, mas a história destes homens levou-o a fazer uma escolha. Esta escolha não comportava qualquer concessão, era radical e definitiva.
Radical, porque Yahvé não é um árbitro que considere todas as coisas em igualdade, toma a defesa, empenha-se e escolhe o seu campo. O Senhor conduz uma guerra e utiliza os procedimentos que escandalizam: «Yahvé endureceu o coração do Faraó» (Ex 14, 8). Acto incompreensível no nosso tempo de consenso em que se sonha com uma humanidade sem combatentes e de um Deus sem aspereza. Ora, Deus não é um árbitro, é um criador que ama e que se compromete por e nesse mesmo amor. Ele, origem de todas as coisas, escolhe o seu campo, conduz uma guerra quando é necessário, para defender aquele que tem necessidade de ser defendido.
Escolha definitiva porque o amor não se nega nunca (na política como fora dela). Se Deus fez esta escolha de amar Israel mais do que ao Egipto, esta escolha impõe-se a todos, inclusive a todos aqueles que não fazem parte desta eleição, não porque dela sejam excluídos mas, ao contrário, porque também são implicados nesse decreto divino, por essa revelação divina que nos diz a nós alguma coisa sobre o seu amor. A consequência desta eleição dos judeus não é exclusão daqueles que não são judeus porque Yahvé escolheu o povo hebreu para guiar as outras nações: «Sou eu Yavhé [...] Destinei-te a ser aliança do povo, a ser a luz das nações» (IS 42, 6).
Todo o acto político deve encontrar a sua fonte neste acto divino. Todo o acto político é um acto de amor, uma escolha preferencial.
Ora, ao escolher a igualdade para os judeus (e portanto recusando reconhecer-lhes este lugar à parte que Deus lhe conferiu), os revolucionários franceses recusam uma escolha política baseada no amor em benefício de uma natureza humana convertida, sem distância, em direito: os judeus são homens como os outros, portanto cidadãos como os outros. Os judeus devem ser como os outros, tal como propunha o abade Grégoire, em 1788, com o seu Essai sur la Régénération Physique, Morale et Politique des Juifs.
Porque os judeus não puderam entrar À força nessa semelhança que lhes apresentavam: «Tentámos lealmente, em todo o lado, fundir-nos com as colectividades nacionais que nos rodeiam, salvaguardando apenas a fé dos nossos pais... em vão somos patriotas fiéis, até mesmo em certos países patriotas exuberantes; em vão consentimos nos mesmo sacrifícios em dinheiro e em sangue que os nossos concidadãos; em vão nos esforçamos por exaltar a glória das nossas pátrias respectivas no campo das artes e da ciências, e em aumentar as suas riquezas por meio do comércio e das trocas..», nós sabemos como foi resolvida esta impossibilidade da igualdade 150 anos mais tarde.
Uma vez que não puderam ser como os outros, era pois necessária fazer desaparecer fisicamente os judeus, única maneira de criar uma verdadeira igualdade entre os homens. E assim, o projecto político da igualdade irá desembocar na pior das barbáries. O que os revolucionários quiseram fazer (fazer desaparecer os judeus), Hitler consegui-o na Europa. A restrição de Hezrl («a fé dos nossos pais»), que não lhe parece ser mais do que um detalhe, constitui, de facto, a chave da impossibilidade da assimilação. Enquanto se pedia aos outros povos franceses (Bretões ou Borgonheses) para se desprenderem dos privilégios ligados Às suas terras (o que era aceitável para eles, já que este mesmo território passava a fazer parte do único território nacional), os judeus não podiam desprender-se de nada (a terra de um gueto não é uma terra). Eles deveriam ter vendido ao desbarato o que os fazia judeus, mas não se vende ao desbarato a fé dos seus pais.
Foi porque os judeus foram capazes de manter a filiação no cerne das suas vidas («a fé dos nossos pais») que eles não podem ser assimilados por um mundo em que as gerações passaram a ser espontâneas. Mas aqui a filiação não se equipara à genealogia, os próprios pais são referidos a outra coisa para não dizer a Alguém.
Não é apenas porque tinha nascido do seu pai que o rei reinava, isso não era senão o modus operandi da transmissão política. O modus operandi mais banal, mais frágil, o menos meritório possível e é por isso que ele constituía o único poder possível e legítimo, pois ninguém podia orgulhar-se de ser a origem dele. Mas o dom do poder dependia de uma escolha superior, da mesma ordem do que o do povo hebreu contra o povo do Egipto. Esta escolha superior era um decreto divino a que era necessário dar assentimento.
Ao recusar simultaneamente a fonte de origem do poder e o modus operandi do nascimento, os nossos contemporâneos obrigam-se, portanto, a encontrar em si próprios, e em cada geração, as razões de exercer este poder. Encontram-se então condenados a uma eterna autojustificação do poder que exercem. São obrigados a escolher, eles mesmos, o seu próprio nascimento. O modo geracional (somos mais os filhos do nosso tempo do que os filhos dos nossos pais) é concomitante À Revolução Francesa. É por isso que era necessário que o rei morresse, mas também o seu filho, a fim de que não houvesse mais filiação.
A partir da Revolução, deixámos de ser os filhos dos nossos pais, somos da mesma geração. Tentamos encontrar por nós mesmos razões de existe pelo facto de que nascemos ao mesmo tempo. O tempo engendra-nos mais do que os nossos pais o fizeram. A primeira dessas gerações foi a geração romântica, a última foi a geração de 68 (entre elas, alternam-se dois tipos de geração, uma geração dos fundadores e uma geração sacrificada). Exit o nascimento, não existimos senão por bloco geracional. Ora uma geração não cria irmãos, cria indivíduos justapostos que passarão o seu tempo a tentar compreender o que os liga a esses outros indivíduos, que não são os seus irmãos, nem os seus pais, de quem todavia nasceram. É o princípio dos sinais dos tempos. À falta dos nossos pais, fala-nos o tempo e é necessário, segundo a expressão canonizada mesmo pela Igreja Católica, «ler os sinais dos tempos».
Nesta história, onde as gerações se sucedem diferenciando-se, cada uma de entre elas, num movimento que ela acredita ser generoso, quer que a seguinte seja composta não por herdeiros, mas por fundadores. Cada geração política quer que a segunda recrie o mundo. Grito desesperado dos pais que se apercebem de que não conseguiram de maneira alguma transmitir mais do que o vazio e o caos.
Cada sucessão de gerações sem herança possível não deixa qualquer possibilidade de escolha: por conseguinte, trata-se apenas de apressar a catástrofe, visto que nada é transmissível: desde os fascistas dos anos de 1930 à esquerda radical deste começo de milénio, trata-se realmente disso: apressar a catástrofe porque nada recebemos e nada podemos transmitir.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande

segunda-feira, 11 de julho de 2011

«Liberdade, Igualdade,Fraternidade» Ou a impossiblidade de ser Filho pt 1

Senhor aumentai os frutos do nosso trabalho, Ámen!

Não consegui deixar de postar mais alguns textos do «Livro Negro da Revolução Francesa», porque são de facto tentativas de análises profundas que têm em conta as estruturas mentais históricas que foram criadas ou existem ao longo dos séculos e evoluem de forma muito lenta e ao contrário das análises superficiais, entendem a importância destas estrutura para o próprio sustentação de qualquer conjuntura política, e especialmente são o fundamento de uma civilização..

Bom vamos ao texto..

Algo na Revolução Francesa encontra a sua fonte no espírito cristão. A fraternidade - «Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão» (Mc 3, 35) -, a liberdade - «A verdade vos libertará» (Jo 8, 32) -, a igualdade - «já não há escravo nem homem livre» (Gal 3, 28) fazem parte, desde há séculos, da tradição cristã até ao ponto de esta Revolução, antes da viragem do Terror, suscitar o entusiasmo de numerosos eclesiásticos. O irmão dominicano Henri-Dominique Lacordaire, alguns anos depois dela, defendida ainda a compatibilidade entre a divisa republicana francesa e o espírito cristão até que se deu conta da utilização perversa das palavras cristãs pela República. É assim que ele, o arauto dos católicos liberais, o reconciliador da Igreja e do século, recorda em 1848 aos defensores do liberalismo que «entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o escravo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta.»
E, de facto, duzentos anos mais tarde, o balanço político da divisa republicana não é bom: é falso no que respeita à liberdade, catastrófico quanto à igualdade e enganoso para a fraternidade. O que é que se passou então? Teria havido somente atraso na aplicação deste programa, como sublinham os republicanos que parece estarem de boa-fé? Ou então, a perversão dos valores cristãos ter-se-ia revelado inerente à antropologia dos revolucionários.
Enquanto se reclamavam dos valores evangélicos, os revolucionários, ao expulsarem Deus, separaram-se da fonte sem a qual não se podem reconhecer os frutos. Por isso, uma liberdade que não é outorgada por um Pai é um movimento incoerente; uma igualdade que não reconhece a escolha preferencial de uma amor é enganosa e uma fraternidade que se auto-proclame sem referência a uma origem comum é, muito simplesmente, falsa.
Querer matar o Pai pretendendo ao mesmo tempo guardar os valores legados por ele, é impossível.
A França esperava da celebração do bicentenário da Revolução um verdadeiro balanço político; não tivemos senão uma auto-celebração que escondia mal a recusa de olhar a realidade política de frente. Portanto, impõe-se hoje tentar compreender os fundamentos antropológicos da monarquia e da república, a fim de fazer um honesto inventário da situação política em França. Do lado da monarquia, há duas maneiras de militar: a primeira por pura nostalgia (é esta muitas vezes a postura de uma aristocracia que, pela sua atitude irresponsável, tem alguma coisa a ver com o fracasso da monarquia); a segunda consiste em recordar que há, na prática da filiação monárquica, um princípio de que o político não pode prescindir, correndo o risco de conduzir o mundo às portas do caos. Quanto ao republicanos, sem nos dizerem qual é o homem em que acreditam e a que aspiram, não podem fazer compreender o que se sinta por trás destas três palavras sésamo (liberdade, igualdade, fraternidade) que se pretende abrirem a porta à felicidade.
Começaremos este estudo pela igualdade, porque nela reside o pecado original de toda a divisa. O desconhecimento da liberdade e da fraternidade encontra a sua fonte nessa falsa concepção da igualdade.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande