domingo, 31 de maio de 2009

Juízo Final I

Este texto que se segue é retirado do Livro Juízo Final(editora:Civilização, 1992) de Franco Nogueira, capítulo V, "As Querelas de Bizâncio ou o Retorno do Destino" parte I

Boa Leitura!

Na verdade, a pergunta é: e o Homem português? Acaso se aproxima do fim? Chegou ao termo do seu papel histórico? Cumpriu o destino que lhe foi assinado pela Providência? Poderá avançar-se até ao extremo de se dizer que se advinha indícios daquele fim e que este está no horizonte? Decerto: um tipo tradicional de homem português foi desfeito: nisso consistiu a ruptura. Até agora, porém, não ultrapassou aquela fronteira. Aliás, pelo o mundo além e em Portugal, o marxismo-leninismo admitiu e confessou a sua falência em criar o homem novo. Importa agora averiguar em que situação se encontra o Homem português como tipo histórico. Já se viu que possui raízes bastantes à sua sobrevivência e continuidade. Mas detém outros requisitos essenciais? Tem vontade firme e energia para a sua afirmação? Tem consciência dos riscos que o cercam, das ameaças que enfrenta, das forças internas e externas que o podem destruir? Tem a noção dos graves perigos que atravessa na época que está vivendo? Tem a solidariedade suficiente para que seja coesa, e assim se manifestasse e se faça respeitar aquela vontade? Estão os Portugueses dispostos aos esforços indispensáveis à salvação do Homem português? Mil outras perguntas, de matiz semelhante, se poderiam formular. E poderá dar-se-lhes uma resposta que parece válida para todas: se o povo português não quiser seguir o caminho de Bizâncio, haverá de reganhar vigorosamente a consciência nacional. É esta que se tem diluído e aviltado. Uma nação é uma realidade, diferenciada das demais, e antes de tudo deve ser uma realidade para os seus próprios nacionais. Estes têm, ou devem ter, uma imagem do seu passado, um perfil do seu presente, uma perspectiva do seu futuro; e de tudo decorre, ou deve decorrer, uma consciência das suas raízes, uma percepção dos seus interesses permanentes, um conhecimento dos seus meios, um quadro dos seus objectivos. Sobretudo quando bem antiga, uma nação não é o dia que vive, nem mesmo o dia seguinte: é o conjunto dos séculos passados, é a preparação constante para os séculos que hão-de vir. Convêm repisar: tudo o que é, assenta em tudo o que foi. Já foi dito, mas convém repeti-lo: uma nação é um sistema de segredos, um acervo de cumplicidades, um conjunto de certezas íntimas, de que partilham todos os seus nacionais, ou ao menos a sua maioria. Quando não circulam os segredos entre o povo, quando a cumplicidades encontra hesitações ou sofre quebras, e quando as certezas deixam de ser comuns ou sentidas em comum, então obnubila-se a consciênçia nacional, enfraquece a vontade, anuvia-se o espírito de resistência, degrada-se a nação; e esta passa mesmo a compreender e a dar razão às forças de desagregação que podem destruí-la, e que no caso de Portugal, vulnerável como é, podem absorvê-lo Acontece assistir-se a acontecimentos e crises - instabilidades de governos, lutas pelo o poder dentro de partidos políticos, acusações e contra-acusações de corrupção ou de incompetência, insatisfação de classes, frustração colectiva, atitudes assumidas a esmo - e tudo se atribui a factores ocasionais, a defeitos de instituições, a vícios do carácter de alguns homens, a erros de prática política; e na verdade todos estes elementos representam o seu papel, e pode ser grave a sua influência; mas no fundo de tudo há um relacionamento de causa e efeito, que não é imediatamente óbvio mas nem por isso é menos real, entre a perda ou a tibieza da consciência nacional e o esbarrondar da sociedade civil, que se quereria diferenciada e autónoma. Ignorados os segredos da grei, recusadas as cumplicidades colectivas, destruídas as certezas comuns, nada mais resta: é o princípio do fim: pode ser o próprio fim. Em 1939-1949, foi derrotada a França porque se dividiu contra si mesma, e perdeu um sentimento comum perante o perigo: mas o sucesso da resistênca francesa posterior contra a ocupação germânica assentou precisamente numa cumplicidade colectiva, num segredo de todos conhecido e por todos atacado, numa consciência quase unânime do sacrifício de alguns ou de muitos para futura sobrevivênçia de todos. Reflexão idêntica se deve fazer quanto a outros povos, naquela altura histórica: nos mesmo pressupostos psicológicos e políticos se firmou uma defesa britânica tão indómita quanto foi maciço o ataque alemão; igual raiz teve a bravura russa que, à parte os erros cometidos pelos nazis e o auxílio aliado ocidental, encontrou no apelo aos valores essenciais da Rússia antiga a mais sólida justificação para triunfar dos sofrimentos às mãos do invasor; e são ainda os mesmos pressupostos fundamentais que explicam a resistência germânica, prolongada em termos de um quase desespero de fim do mundo. Em qualquer caso, e mesmo sem recurso a exemplos tão extremos, o enfraquecimento do patriotismo (que não tem nem deve ser agressivo) é sintoma de grave enfermidade no cerne de qualquer país. É também indício de decadência moral a prioridade de problemas partidários ou de grupo sobre problemas nacionais, e acontece que não raro os partidos políticos consideram como de interesse nacional o que é somente de interesse eleitoral: idílico e risonho, em que todos lhe querem bem, e em que não corre perigos, nem suscita invejas ou adversões, nem defronta ameaças; mas essa não é a realidade; e tudo traduz o alheamento do quadro nacional, que já se não considera como a melhor protecção dos interesses individuais e colectivos. Para que possa ser forte, independente, livre e duradoura, uma sociedade civil tem de adoptar e praticar uma política de contrato nacional. Neste particular como se comporta o Homem português neste termo de século e milénio?

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