Apenas restava o delfim de oito anos, que se tornara Luís XVII depois da morte de Luís XVI, e reconhecido como tal pelos grandes Estados europeus e pelos Estados Unidos que, aliás, não tinham reconhecido a nova República. Foi guardado no Templo como refém, já que alguns revolucionários receavam que um revés pudesse conduzir a uma restauração monárquica. Mas isso não evitou que morresse de tristeza e de maus-tratos, num regicídio por negligência, que foi certamente tão cruel como o do seu pai. Depois de ter ficado muito tempo sob a influência do cordoeiro Simon, que queria fazer dele um sans-culotte, foi emparedado no segundo andar da torre durante seis meses, fechado à chave no antigo quarto do seu pai, onde viveu completamente isolado, com uma simples portinhola servindo para lhe fornecer a alimentação. Ficava aí o dia inteiro, prostrado no seu berço demasiado pequeno. Acabará por morrer de tuberculose em 1795.
O regicídio, na verdade, não se ficou por aqui, mas tomou uma feição deliberadamente sistemática, assestando golpes nos monumentos e relíquias da dinastia real: segundo um relatório de Barère do dia 1 de Agosto de 1793, um decreto da convenção ordenou assim a destruição dos túmulos e das estátuas jacentes da necrópole real de Saint-Denis. A destruição teve lugar a 6 ou 8 de Agosto de 1793, atingindo 51 monumentos; como pôde escrever Dom Poirirer, responsável do lugar, «em três dias, foi destruído o trabalho de doze séculos»: No dia 14 de Agosto foi efectuada a «destruição imediata dos monumentos, restos da feudalidade ainda existente em templos e outros lugares públicos». De 12 a 25 de Outubro, foi a vez de os próprios mausoléus da necrópole serem destruídos. O corpos dos reis e das rainhas, muitas vezes embalsamados e mumificados, foram exumados a fim de serem postos numa vala comum, debaixo de cal viva, depois de terem sido por vezes submetidos a macabras encenações.
Num acesso de raiva violenta e exterminadora, o espírito da Revolução terá deste modo abatido a mais velha monarquia da Europa, de raízes seculares, mergulhando a Europa no luto e na incerteza. E, à medida que o antigo mundo desaparecia, a nova religião, eminentemente anticristã, surge à luz do dia, imprimindo a sua marca sobre todas as esferas da vida social e, nomeadamente, para usar o exemplo concreto, sobre o calendário. No seu «relatório sobre a Era da República», apresentado à Convenção no dia 10 de Setembro de 1793, o astrónomo Gilbert Romme (da loja das Neuf Soeurs) apresenta o calendário republicano, de evidente inspiração maçónica. Conspurcando a era cristã como era de «crueldade» e de «escravidão», pretendendo fazer tábua rasa de todo o passado cristão, o projecto visa regressar, pela contemplação racional dos elementos, à ordem imutável da natureza, já revelada pelas tradições ancestrais dos Egípcios e dos Babilónios. Numa mistura curiosa, mas reveladora do esoterismo e de republicanismo, o relator escreve: «A Revolução Francesa apresenta um acordo demasiado impressionante e talvez único nos anais do mundo, entre os movimentos celestes, as estações, as tradições antigas e o decurso dos acontecimentos, para que toda a nação não adira à nova ordem de coisas que nós apresentámos». Ele observa, com efeito, que, quando a República foi proclamada em 22 de Setembro de 1792, «às 9 horas, 18 minutos e 30 segundos de manhã, o Sol atingiu o verdadeiro equinócio, entrando no signo da Balança». Também comenta: «Deste modo, a igualdade dos dias e noites estava inscrita no céu, no exacto momento em que a igualdade civil e moral era proclamada pelos representantes do povo francês como fundamento sagrado do seu novo governo»; «Por isso, o SOl passou de um hemisfério para o outro no mesmo dia em que o povo, triunfando da opressão dos reis, passou do governo monárquico para o governo republicano.» A revolução é concebida como um regresso Às origens do paganismo, para além do passado cristão, ou seja, uma nova criação: «As tradições sagradas do Egipto, que se tornaram as de todo o Oriente, faziam sair a terra do caos sob o mesmo signo que a nossa República e fixavam aí a origem das coisas e dos tempos». Eis, pois, a França, antiga filha primogénita da Igreja, antigo novo Israel, que se transforma num novo Egipto, destinado a dar ao mundo o ideal político-esotérico da República maçónica, numa espécie de contra-revolução tardia, mas poderosa, a que Alain Decaux pôde chamar a Revolução da Cruz.
Seria excessivamente demorado recordar em detalhe as perseguições anticatólicas que acompanharam esta nova ordem «religiosa». Pouco depois da instauração da República, o republicano Fouché, chegado à Vendeia, tomou uma série de medidas que foram em seguida adoptadas pela Comuna de Paris. Em 7 de Outubro, a sainte Ampoule foi (em parte) quebrada em Reims. Foram pilhadas numerosas igrejas, os seus ornamentos e quadros queimados emautos-de-fé; os padres, os frades e as monjas de clausura foram aconselhados vivamente a abjurar dos seus votos. Em Paris, a palavra «santo» era retirada dos nomes das ruas; bustos de Marat substituíam as estátuas religiosas. OS hábitos religiosos foram proibidos. Os massacres da Vendeia são igualmente compreensíveis nesta perspectiva. Durante este tempo, a nova religião instalava-se. Em 10 de Agosto de 1793, aniversário do assalto às Tulherias, teve lugar o «Festival da Regeneração», ou «Festival da Unidade e da Indivisibilidade da República». Sobre as ruínas da Bastilha, David tinha representado a Mãe Natureza: uma figura feminina sentada, de cujos seios corriam dois jactos de água. Três meses depois, por ocasião do «Festival da Razão», uma actriz de ópera desempenhou o papel da deusa Razão em plena catedral de Notre-Dame, transformada em «Templo da Razão», com o barrete vermelho da liberdade sobre a cabeça e um crucifixo atado debaixo de um dos pés. Em 7 de Maio de 1794, por decreto do 18 Floreal, Robespierre instaura o culto para-maçónico do Ser Supremo, fundador da nova religião cívica.
Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande
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