domingo, 3 de abril de 2011

A Tomada de consciência e o memorícidio IV - Fim

Quem ama o Senhor, transborda de alegria, Ámen!

A operação consiste em lavar a Revolução de toda a mancha, a retirar a nódoa de sangue vendeano. Como se é incapaz de explicar o crime cometido, prefere-se negá-lo, relativizá-lo, justificá-lo, o método mais espalhado entre os historiadores «negacionistas», método que continua a ser utilizado nos nossos dias. Leia-se por exemplo, os livros escolares sobre a questão: a Vendeia é sabiamente resumida a uma pequena guerra civil, nascida em Março de 1793 e morta em Dezembro do mesmo ano. Os factos de 1794 não são definidos senão em relação a uma guerrilha ou cinicamente concentrados sobre um massacre que se seguiu a um outro massacre, este cometido pelos azuis, em Pornic, três dias antes, e um pseudo-assassinato de um criança-soldado, denominada Bara, morte de que não se conhece a origem, e cujo mito foi criado em todos os detalhes pelo próprio Robespierre, apesar dos protestos do superior da criança, que será aliás condenado à morte por esta razão e executado. Este negacionismo vai tão longe que chega a negar, e recusa, a existência das leis de aniquilamento e extermínio, apesar da sua publicação, no jornal oficial da época, do plano designado por plano de Turreau, plano este de que os arquivos do forte de Vincennes conservam o original, redigido pelo próprio Turreau, dos afogamentos, das matanças em massa, designadamente de crianças e mulheres, dos fornos crematórios, dos curtimentos de peles humanas, dos derretimentos de gorduras, etc. Alguns destes historiadores nem sequer hesitam em justificar o injustificável em nome da Revolução, partindo do princípio de que, constituindo a Revolução um bloco, nada deveria manchá-la. Este argumento é utilizado pela primeira vez por ocasião do processo Carrier. O advogado Tronson Ducoudray denuncia-o vivamente em termos muito precisos: «É», diz ele, «uma outra calúnia que os facciosos lançam desde há algum tempo, com habilidade, entre o povo. Eles pretendem que, ao recordar os horrores da Vendeia, se vá desencadear o processo da Revolução.»
A nível local, até 1814-1815, os vendeanos mantêm-se relativamente discretos em relação aos acontecimentos, sem dúvida em razão do contexto, mas também por falta de um porta-voz de envergadura e de meios designadamente financeiros, inteiramente consagrados à reconstrução. Com a Restauração, os vendeanos aprendem a apropriar-se da sua história graças, entre outras coisas, à publicação de testemunhos, tais como os das marquesas de Bonchamps e de la Rochejaquelein, à construção de monumentos, designadamente de estátuas em honra de la Rochejaquelein, de Bonchamps, de Charette, de Cathelineau… à trasladação dos restos mortais dos grandes chefes, de vítimas isoladas e até mesmo de ossários como em Bouguenais e La Chapelle-Basse-mer. A partir dos anos de 1830, quer dizer, no momento do arranque, ao nível do Estado, da manipulação da história oficial relativa à Vendeia, inicia-se uma verdadeira política de devoção, tanto mais intensa quanto as últimas testemunhas estão prestes a desaparecer. Todavia, se a lembrança dos acontecimentos se transmite de geração em geração, maciçamente até aos anos de 1960, em nenhum momento os vendeanos tomaram consciência da especificidade do crime de Estado cometido contra eles, e portanto nunca integraram. A título de exemplo, é o que explica que determinadas comunas vendeanas tenham dado o nome dos seus carrascos a ruas, como em Challans o de lazare Carnot, o autor da carta de 8 de Fevereiro de 1894, que avaliza o plano de Turreau.
A nível nacional, o bicentenário da Revolução deveria ter constituído ocasião de abordar, à margem de qualquer ideologia, este período. Não somente isso não aconteceu, mas tudo foi feito na perspectiva do dogma oficial. A título de exemplo, os colóquios científicos, organizados sobre a questão vendeana, não tinham outro objectivo. Aliás, houve a precaução de evitar convidar qualquer contraditor, taxado de revisionismo, e, para cúmulo, fazendo o que fosse necessário para os impedir de serem contratados como docentes ou investigadores.
Este comportamento teve consequências gravíssimas. A nível humano, era uma ocasião de reparar um delito histórico cometido contra os vendeanos, cuja história faz ainda dos traidores e dos seus carrascos «santos laicos» e vítimas; a nível científico, de precisar a verdadeira dimensão do drama vendeano que é efectivamente um genocídio matricial como o havia tão bem analisado, já em 1795, Gracchus Babeuf, numa obra de uma incrível modernidade, intitulada Du Système de Dépopulation ou la Vie et les Crimes de Carrier. De resto, lideres comunistas como Lenine, Pol Pot, etc.; não se enganaram a este respeito: foram aí buscar as suas reflexões e os seus métodos. Para além disto, ter-se-ia podido reflectir sobre um certo número de questões, tais como a filiação entre o terror e os sistemas comunistas e nazi, o suporte jurídico da deportação judaica sobre o qual se apoiou Vichy, etc.; ao nível do direito internacional, era uma boa ocasião de alargar o campo de acção do conceito de genocídio à memória e de definir o crime de memoricídio. Com efeito, crime contra a humanidade, a noção de genocídio é limitada à concepção ou à realização, ou ainda à cumplicidade de extermínio parcial ou total de um grupo humano de tipo racial, étnico ou religioso e, portanto, encontram-se excluídas a memória e a manipulação. Em 1991, publiquei na editora de Olivier Orban uma obra intitulada Juifs et Vendéens, d’um Génocide à l’Autre: la Manipulation de la Mémoire. Conclui, escrevendo: «Os assassinos da memória são perigosos: se conseguem persuadir a opinião pública, sempre pronta a reprimir o que ultrapassa o seu entendimento, de que o genocídio judeu não teve lugar ou de que ele se justifica, o impensável de ontem pode tornar-se a realidade de amanhã. É por isso que a memória judaica não é assunto que respeite unicamente aos judeus, mas a todos, como a Vendeia o deveria ter sido antes de ontem e isto em prol da dignidade da humanidade.» O colóquio negacionista organizado pelo Irão, em importância nem a marginalizar, porque os interesses ideológicos e políticos primam naturalmente sobre a verdade, qualquer que ela seja: a Vendeia foi disto o exemplo matricial.

Reynald Secher, Doutor em Letras

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande

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