domingo, 10 de abril de 2011

Últimos dias de Luís XVI

De toda a espécie de totalitarismos livrai-nos Senhor, Ámen!

Desde os dias que se seguiram ao 10 de Agosto, Luís XVI vive prisioneiro no torreão do Templo, espiado por dois guardas que perscrutam os seus menores gestos. A partir de Dezembro, encontra-se totalmente separado da família. No dia 18 de Janeiro, pela manhã, Malesherbes vem, constristado, anunciar-lhe a sentença. Meditativo, Luís XVI, que já esperava o pior, afirma-lhe: «Senhor de Malesherbes, juro-vos com toda a sinceridade do meu coração, como um homem que vai comparecer diante de Deus, que quis constantemente a felicidade do povo e nunca formei uma intenção que lhe fosse contrária.» Malesherbes não quer perder a esperança; evoca a possibilidade de um levantamento para o salvar: «-Mas, sire - acrescentou ele -, os celerados ainda não tem o poder e tudo quanto há de gente honesta virá salvar vossa majestade ou perecer a seus pés. - Não, Senhor de Malesherbes, isso iria muita gente, faria com que a guerra civil se instalasse em Paris; prefiro morrer, e peço-vos que lhes ordeneis da minha parte que não tomem qualquer iniciativa para me salvarem.» Ao seu criado Cléry, que fala também de uma revolta para o libertar, responde: «Zangar-me-ia se ela acontecesse, haveria novas vítimas..» E profere este veredicto profético: «Vejo o povo entregue à anarquia, tornado vítima de todas as facções, os crimes a sucederem-se, longas dissensões a dilacerarem França.» Finalmente entrega a Malesherbes papéis ultra-confidenciais, que serão posteriormente recuperados pelo realista Antraigues. Este último dirá que são «de pôr os cabelos em pé quando forem conhecidos». Mas virão oportunamente a perder-se. Os dois homens separam-se. DEcorrem dois longos dias. Para se ocupar, o rei, como se procurasse compreender melhor o seu destino, tenta decifrar um logogrifo do Mercure de France. Acaba por consegui-lo, estende o enigma, a Cléry, que não é capaz de o resolver, e diz-lhe: «Como é possível! Não o descobris? No entanto, ele aplica-se bem a mim! A palavra é sacrifice!»
Por fim, em 20 de Janeiro, pelas duas horas, chega o conselho executivo au complet, ou seja, ao todo 15 pessoas, entre elas Garat, ministro da justiça, Chambon, maire de Paris, o sinistro Santerre, comandante das guardas nacionais de Paris. Depois de um breve preâmbulo de Garat, Grouvelle lê o decreto proclamando a execução do rei por «conspiração contra a liberdade da nação». A execução terá lugar no dia seguinte. Luís XVI fica impassível. Esboça contudo um sorriso irónico ao ouvir a palavra conspiração. Pega em seguida no decreto e guarda-o na carteira e esta no seu bolso. Lê-lhes em seguida uma carta na qual pede o fim da vigilância contínua, uma suspensão de três dias para preparar a sua alma e o sacerdote refractário Edgeworth de Firmont como confessor. Pede também à nação que cuide da sua família e de todos os pensionistas que não têm senão o dinheiro do rei para sobreviverem. Separam-se todos. Luís XVI vai então visitar os comissários de Templo. O seu olhar recai sobre a declaração dos Direitos do Homem. Exclama: «Ah! Se se tivesse seguido este artigo, ter-se-ia evitado grande parte da desordem.» Com efeito, o artigo 8 em questão determina: «A lei só deve estabelecer as penas estrita e evidentemente necessárias; ninguém pode ser punido por uma lei que não esteja estabelecida e promulgada anteriormente ao delito, e legalmente aplicável.» Bem entendido, este artigo foi desrespeitado durante o processo.
Por sua parte, Garat dirige-se à Convenção e depois, no começo da noite, vai procurar Edgeworth. na carruagem que o leva ao Templo, lamenta-se: «Meu Deus! De que horrível incumbência me vejo encarregado!» A entrevista com o rei deixou-o visivelmente muito impressionado, porque exclama: «Que homem! Que resignação! Que coragem! Não, a natureza apenas não seria capaz de dar tão grande força, há nisto algo de sobre-humano.» Edgeworth prefere guardar o silêncio. Os homens chegam ao Templo, são revistados, sobem uma escada em caracol, atravessam uma série de barreiras em que sentinelas sans-culottes, meio ébrias, soltam gritos horrorosos que se repercutem pelas abóbadas do torreão. Garat entre em primeiro lugar, com alguns ministros, deixando atrás de si Edgesworth. Anuncia a Luís XVI que a suspensão é rejeitada, mas que é autorizado a ver o seu confessor e a assistir à missa. No que respeita à sua família, a resposta da Convenção, que ele transmite, é ambígua: «A nação francesa, tão grande na sua benevolência quanto rigorosa na sua justiça, cuidará da sua família e assegurar-lhe-á uma sorte conveniente.»
então Edgeworth entre e Luís XVI intima os ministros a retirarem-se. Profundamente emocionado, Edgeworth acaba por desfazer-se em lágrimas e com ele o Rei. Mas recompõe-se e lê-lhe o seu testamento: «Perdoo de todo o coração àqueles que se fizeram meus inimigos sem que eu lhes tenha dado algum motivo para tal e peço a Deus que lhes perdoe.» A emoção regressa quando se trata dos que lhe são próximos: «Recomendo ao meu filho, se ele tiver a infelicidade de vir a ser rei, de pensar que se deve por inteiro à felicidade dos seus concidadãos, e que deve esquecer todo o ódio e todo o ressentimento, designadamente tudo o que está ligado aos infortúnios e aos desgostos que sofro.» Perdoa igualmente aos seus parentes, à rainha, a Monsieur, ao duque d'Orléans. No que respeita a este último, deixa escapar um suspiro: «Que fiz eu ao meu primo para que me persiga desta maneira? Mas porquê querer-lhe mal? Ele é mais de lamentar do que eu próprio.»
depois de ter completado a toilette diante de vários soldados da guarda municipal, encontra-se com os seus parentes, sob o olhar inquisidor dos comissários postados numa divisão contígua separada por uma vidraça fina. A entrevista prossegue durante duas horas. Em momentos trágicos como estes, Luís XVI, com a rainha à esquerda, a princesa Elisabeth à direita, o delfim ao pé dele, dá conhecimento à família da sua condenação. A filha desmaia. O delfim corre até junto da sentinela, gritando: «Deixai-me passar! Deixai-me passar! Vou pedir ao povo que não faça morrer o papá-rei.» Têm de se separar; Luís XVI promete-lhes que os voltará a ver no dia seguinte às sete horas. Vai ter com Edgeworth e confessa-lhe: «Que entrevista acabo de ter! Vê-se bem que amo e que sou ternamente amado.» Fica com ele até às duas horas e em seguida vai deitar-se.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande

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