Aleluia o Senhor ressuscitou! Boa Páscoa..
Sansão e os seus dois ajudantes abrem agora a portinhola da carruagem. Aparece o rei, segundo as palavras de Sansão, «mais digno, mais calmo, mais majestoso do que jamais o vira em Versalhes e nas Tulherias». Apeia-se e encara os três homens que o cercam, com frieza e desajeitadamente, para lhe tirarem algumas peças de vestuário. Luís afasta-os com altivez e tira-as ele mesmo. Seguidamente querem atar-lhe as mãos. O rei exclama: «Atar-me! Não, jamais o consentirei: fazei o que vos é ordenado, mas não me atareis; renunciai a este projecto.» A tensão sobe. A guarda agita-se. Todos estão embaraçados. Sansão pede então a Edgeworth que intervenha, dizendo-lhe num murmúrio: «Enquanto estivermos a atar-lhe as mãos, ganharemos tempo; o povo ficará talvez emocionado e intervirá em seu favor.» Edgeworth aquiesce e, comovido com a cena, acaba por dizer: «Sir, neste novo ultraje não vejo senão um último traço de semelhança entre vossa Majestade e Deus que vai ser a sua recompensa.» O rei ergue então os olhos para o céu, com, segundo Edgeworth, «uma expressão de dor que nunca serei capaz de transmitir». Suspira e resigna-se: «Seguramente, não é necessário nada menos do que o seu exemplo para que me submeta a semelhante afronta» e, voltando-se para os carrascos: «Fazei o que quiserdes, beberei o cálice da amargura.» O rei apresenta os antebraços que são então atados com um dos seus lenços, sob os olhares da multidão silenciosa. O seu confessor dá-lhe então a beijar a imagem de Cristo e acompanha-o em direcção ao seu destino.
Luís sobe lentamente com Edgeworth os degraus íngremes do cadafalso. Depois, repentinamente, chegado acima, avança com um passo rápido até a extremidade da plataforma. Com um gesto imperioso, faz calar os tambores surpreendidos e grita com voz forte a fim de se fazer ouvir por todos: «Morro inocente de todos os crimes que me imputam. Perdoo aos autores da minha morte e peço a Deus que o sangue que ireis derramar nunca venha a cair sobre a França. E vós, povo desventurado...» É então que um apaniguado de Santerre intima aos tambores que recomecem a rufar, a fim de abafarem a sua voz. Desapontado, o rei bate com o pé no cadafalso, clamando por silêncio. É neutralizado pelos ajudantes e depois, segundo Sansão, deixa-se conduzir para cima da guilhotina onde o amarram. Enquanto o amarram ao estrado, numa derradeira tentativa, dirige-se aos carrascos para que a sua última mensagem seja levado ao povo: «Senhores, sou inocente de tudo aquilo que me inculpam. Espero que o meu sangue possa cimentar a felicidade dos franceses.» Em seguida diz: «Entrego a minha alma a Deus.» O cutelo cai às 10h22. Edgeworth suspira: «Filho de São Luís, subi ao céu!» - ainda que mais tarde não se venha a recordar de ter pronunciado estas palavras. Alguns fanáticos regozijam-se, um deles, mesmo, aspergue a multidão com sangue, gritando: «Irmãos, fomos ameaçados de que o sangue de Luís Capeto cairia sobre as nossas cabeças; pois bem, que ele caia sobre elas.» Uma lenda pretende que um desconhecido teria gritado também do meio da multidão: «Jacques de Molay, estás vingado!» Todavia, por contraste, o resto da multidão, soldados e civis, permanece petrificado. Sansão escreve de Luís XVI: «Começava a suscitar uma verdadeira compaixão e, realmente, não compreendo que ele, depois de todos os avisos que ontem recebi, fosse tão cruelmente abandonado. O menor sinal teria sido suficiente para fazer surgir uma diversão em seu favor, pois, se quando o meu ajudante Gros mostrou essa augusta cabeça aos assistentes alguns alucinados lançaram gritos de triunfo, a maior parte voltou-se com um profundo horror e um doloroso estremecimento.»-
A morte do rei foi registada pelo governo republicano com a maior frieza. A denominação de «Louis Capet» com que tinha sido cognominado, suprimindo qualquer partícula e qualquer origem já prefigurava a decapitação; o registo do falecimento do rei, voluntariamente reduzido a um simples acto burocrático, deriva da mesma lógica, como o faz notar Alain Boureau: «Ao cutelo mecânico da guilhotina corresponde o tratamento estritamente igualitário do formulário administrativo que regista o falecimento de 21 de Janeiro de 1793».
Os franceses encontravam-se, entretanto, num estado de espírito completamente diverso. Durante o resto do dia 21, ao lado de uma minoria que celebra ruidosamente as suas esperanças, cedo desmentidas, de ver abrir-se sem custos uma era de paz e felicidade, a maior parte dos franceses continua mergulhada numa espécie de torpor e de tristeza, e Paris fica recolhido em luto. Fockdey refere-se a um «dia de amargura, de dor, de abalo e de luto. A capital encontrava-se envolvida pela angústia. A quase totalidade das casas e das lojas estava fechada, famílias inteiras em pranto. A quase totalidade das casas e das lojas estava fechada, famílias inteiras em pranto. A consternação lia-se em todos os rostos. Uma grande parte dos guardas nacionais, a pé desde as seis horas da manhã, parecia que ia ela própria para o suplício. Não, as cenas de que fui testemunha naquele dia jamais se apagarão da minha memória. Quantas lágrimas vi correr! Quantas imprecações ouvi contra os autores de tal perversidade! A minha pena recua, fica suspensa diante da enumeração de tudo aquilo de que fui testemunha ocular e auricular. Nesse dia, a Assembleia estava sombria e silenciosa, os votantes do regicídio estavam pálidos e desfeitos. Parecia que sentiam horror de si mesmo.» Em fins de Janeiro, Dumouriez atravessa o norte da França antes de chegar a paris a 2 de Fevereiro de 1793; em toda a Picardia, em Artois e na Flandres marítima, depara-se com o povo «consternado» pela morte trágica de Luís XVI, sentindo «tanto horror como receio à simples menção dos jacobinos». A agitação faz-se igualmente sentir no exército: o relatório Dutard de 17 de maio de 1793 assinala: «Os voluntários que regressam do exército parecem zangados por terem feito morrer este rei, e só por causa disto esfolariam todos os jacobinos.»
A seu tempo, os revolucionário irão empenhar-se contra a família de Luís XVI, apesar das promessas e garantias que este último tinha recebido da parte de Garat e da Convenção. No dia 1 de Agosto, depois de a Áustria, não se importando com que a rainha sobreviva ou não, ter capturado os emissários da Convenção, esta última remeteu Maria Antonieta ao tribunal revolucionário. Ela defendeu-se com sinceridade: «Sim, o povo foi enganado, e cruelmente, mas não pelo meu marido, nem por mim - Por quem foi então o povo enganado? - Por aqueles que nisso tinham interesse [...] Nunca desejámos outra coisa que não fosse a felicidade da França.» Como havia contra ela poucas provas concretas, inventou-se uma acusação de incesto com o filho à qual respondeu com um silêncio indignado. Não obstante a inconsistência da acusação, foi condenada à morte e executada em 16 de Outubro de 1793. manteve-se elegante até ao fim: ao pisar os pés do carrasco, exclamou: «perdão, senhor, não o fiz de propósito.» Da mesma forma, em 10 de maio de 1794, morreu a irmãzinha de Luís XVI, Madame Elisabeth, no cadafalso revolucionário.
Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande
domingo, 24 de abril de 2011
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