Dai-nos uma mente lúcida, e uma vontade firme, Ámen!
A morte do rei de França terá tido, portanto, consequências incalculáveis. O Ancien Régime devia ser, sem dúvida, profundamente renovado - Luís XVI apercebera-se disso e tinha instaurado um começo de democracia local por parte das assembleias provinciais. A religião católica esgotada, sem dúvida, e deformada pela sua caricatura jansenista, por séculos de controvérsias teológicas e de crises diversas, devia igualmente retomar um novo fôlego, mas em vez de reformar, preferiam destruir. E é assim que a morte do rei, longe de instaurar em França uma civilização pacífica e fraterna, terá precipitado brutalmente a nação nos abismos, fragilizando consideravelmente o país nos seus fundamentos mais profundos, dilacerando-o em facções político-ideológicas irreconciliáveis, sangrando-o sem possibilidade de regresso nas suas forças vivas e fazendo-lhe perder progressivamente o seu lugar no concerto das nações.
Eis ainda, por outro lado, outras consequências da morte de Luís XVI; a fraqueza drástica do executivo em França de 1792 a 1958, tendo muita dificuldade em reinventar a sua legitimidade; as consequências desastrosas desta fraqueza na condução das guerras, designadamente na prevenção da escalada do nazismo e do genocídio judeu; a perda progressiva de influência internacional da França, que se esforça cada vez mais por desempenhar o seu pólo pacificador anti-hegemónico tradicional nas relações internacionais; o paradoxal acto de dobrar-se sobre si mesma por parte da França; o peso exagerado de Paris, transformada em nova «cabeça» do país depois da morte do rei; a evacuação progressiva e radical do espiritual na vida colectiva; a perda da marca de referência masculina, estruturadora, na psique colectiva francesa, em que o rei representava tradicionalmente a figura do pai; a perda do verdadeiro sentido da liberdade; a despersonalização das relações sociais; a sobrevalorização do conflito como modo de resolução dos problemas da sociedade; a presença intempestiva de uma espécie de esoterismo «egipcionizante» em determinadas construções peculiares do novo regime (pirâmide do Louvre, pirâmide da Torre do Crédit Lyonnais em Lyon, etc); o triunfo da nova religião e a profileração do ocultismo e de formas subtis de opressão, sob o pretexto paradoxal e hipócrita de humanismo, de ateísmo, de laicidade e de racionalismo.
E foi assim que, pela decapitação do rei, um edifício milenar se desmoronou - o da antiga civilização cristã constantiniana, numa onda de choque que se propagou de país em país, derrubando por todo o lado as monarquias e enfraquecendo as Igrejas. Os avanços da civilização, doravante amputados da sua garantia espiritual, devem agora ser pagos por crises sociais, políticas e económicas, e guerras de extermínio duma amplitude sem precedente. Nomeadamente, o espírito da revolução iria dividir-se dentro de pouco tempo em princípios políticos e ideológicos contraditórios, procurando reciprocamente exterminar-se e vencer-se uns aos outros, para finalmente desembocar no mundo contemporâneo, que coincide precisamente com o imaginado por determinados sonhadores do século : um conglomerado de repúblicas laicas supostamente chegadas ao «fim da história», uma civilização tecnicista, toda ela votada à exploração do mundo material, mas à qual faltam, no entanto, o calor da vida e o sopro do espírito.
Em razão da vastidão das suas consequências, a morte de Luís XVI deve ser estudada de perto; apercebemo-nos então de que, pelas suas próprias configurações, ela não deixa de se revestir de um carácter religioso que parece entrar em vivo contraste com a modernidade política que dela procederá. De facto, a maior parte dos historiadores e memorialistas, querendo todavia escrever num registo muito prosaico, não pode impedir-se de, quando trata dela, evocar espontaneamente o termo profundamente religioso de «sacrifício», ao referir-se além disso à Antiguidade, até mesmo ao cristianismo. O sacrifício do rei é deste modo concebido como o acto sacrificial fundador do novo regime e de uma nova era na história do mundo.
Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande
domingo, 8 de maio de 2011
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