quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Cardeal Ratzinger e o Concílio Vaticano II

Patrick Bahners e Christian Geyer: Para terminar, Eminência, voltemos a falar da teologia à escala mundial. No inicio do novo milénio, tem-se a impressão de que as dificuldades de entendimento entre as posições teológicas singulares dentro do cristianismo se tornaram tão clamorosas que levam a falar, não já de diferentes polaridades pertencentes a um mesmo espectro, mas de constelações realmente distintas, cada uma das quais convive ao lado das outras de modo mais ou menos independente. nesta situação, constata-se a exigência de convocar um novo Concílio ou um sínodo geral para pôr sobre o tapete, e possivelmente, resolver de comum acordo os conflitos subsequentes às resoluções do Concílio Vaticano II.

Cardeal Ratzinger: Conheceis porventura a anedota de que se conta acerca de Gregório de Nazianzo, Bispo e Padre da Igreja. Convidado pelo imperador a tomar parte no Concílio de Constantinopla, respondeu-lhe numa carta - Nunca mais participarei num Concílio, porque aí vi apenas lutas, hostilidades e conflitos intermináveis. Os Concílios servem para piorar as coisas - esta foi a foi a experiência conciliar de Gregório no século IV e, do ponto de vista da perspectiva histórica de curto raio, temos de lhe dar razão. Todavia, numa visão mais ampla, é justo dizer que aqueles Concílios tiveram uma importância fundamental e favoreceram positivamente a obra de clarificação desenvolvida pela Igreja perante a sua fé. Mas, no tocante àquela carta - que Lutero citará com predilecção, exprimindo assim também a sua própria desilusão frente ao Concílio - pois bem, ela atesta que um Concílio representa sempre uma dura intervenção no organismo da Igreja, algo qe eu comparo a uma perigosa operação cirúrgica, no sentido de que, por vezes, a intervenção drástica é efectivamente necessária para a saúde de um organismo. Mas, justamente, importa ter também presente que qualquer intervenção cirúrgica comporta, antes de mais, debilidade e complicações, e não equivale necessariamente à cura.
Em suma, constatamos - e ninguém pode seriamente negá-lo no plano empírico - que o Concílio Vaticano II comportou uma enorme perturbação na Igreja Católica e também em toda a Cristandade (A Igreja acolheu no seu seio o modernismo humanista que endeusa o homem, o liberalismo dos Estados laicos, o protestantismo ecuménico). Pessoalmente afirmo que, enquanto este mal-estar não for de todo ultrapassado, uma outra intervenção desta natureza traria actualmente mais sofrimento do que uma melhoria. Considero, pelo contrário, necessário incrementar os mecanismos de consulta e de encontro; o sínodo dos bispos é apenas um deles. Creio que as formas de confronto menos centralizadas e menos espectaculares são as mais fecundas, porque permitem um debate mais aprofundado (é o que aparentemente acontece hoje no pontificado de Bento XVI, com o diálogo silencioso com a FSSPX, mas muito importante para a barca de Pedro), recebem menos pressões do exterior e podem, inclusive, levar a processos de maturação mais ponderados. Na minha opinião, deveriam, hoje, buscar-se modelos mais amplos de participação do episcopado mundial, capazes de garantir, por seu turno, a ligação entre as diferentes realidades regionais. Realizar-se-ia assim, a longo prazo, algo como um Concílio ecuménico, mas que teria a vantagem de uma lenta maturação e da consciência histórica.

Em o Cristianismo para lá da tradição do Livro: Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo - edição Pedra Angular

Nota: O negrito fui eu que pus. E o que está entre parêntesis são comentários meus!

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