segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O genocídio Vendeano (1793-1794) parte II

"Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois." Lucas 12:7

Até finais de Dezembro de 1793, estas decisões não passaram de teoria: as tropas republicanas não controlam o território insurrecto. A partir de Davenay, a situação é diferente e a Convenção decide passar à acção e dotar-se com os meios adequados. Desde então, a missão terrorista passa antes de qualquer coisa.
Carrier nega a si mesmo o menor sentimento magnânimo: «Que não nos venham pois falar de humanismo para com os ferozes vendeanos, serão todos exterminados; as medidas adoptadas asseguram-nos um imediato regresso à tranquilidade neste país; mas é preciso não deixar um único rebelde, porque o seu arrependimento nunca será sincero...» Lequinio exige mesmo que não se faça mais prisioneiros:«A raça é maldita.» Alguns departamentos, embora afastados do quadro da Vendeia militar, tomam medidas similares. É caso do Eure: «Deixá-los escapar», escreve o representante do povo, em 20 Pluvioso, ano II, «seria partilhar o crime da sua existência». É necessário, então passar da teoria à prática: o problema não é de fácil tratamento porque importa eliminar 815 000 habitantes que, além do mais são «tão maus republicanos» que se recusam a submeter-se, e aniquilar um território de 10 000km2 de difícil acesso.
Deve-se distinguir 3 grandes fases.
A primeira corresponde a uma fase científica. A ideia é simples, embora difícil de concretizar por razões técnicas: trata-se, em conformidade com os desejos e as leis da Convenção e do Comité de Salvação Pública, de aplicar meios de eliminação em grande escala dos mais eficazes de que se disponha. Para o fazer, solicita-se os serviços de um dos maiores químicos da época Antoine Fourcroy, que não irá ser capaz de encontrar solução. Um farmacêutico de Angers, físico de profissão alquimista, de nome Proust, propõe a arma química que consistira em «um fermento próprio para tornar mortal o ar de um região inteira». Inventa, portanto, «uma esfera de couto cheia de um composto cujo vapor libertado pelo fogo devia asfixiar numa grande distância em redor qualquer ser vivo». O ensaio com carneiros em Ponts-de-Cé, na presença de deputados, não surtiu efeito «e ninguém se sentiu incomodado».
Outros, como o general Santerre, propõem o recurso às minas: «Minas, minas à força!... Emanações soporíficas! E depois cair-lhes em cima...» Carrier submete à consideração a utilização do veneno: « o que fazeis», explica ele em 9 de Novembro de 1793, «é belo, sem dúvida, mas onde é que isto irá levar a nação? Talvez a uma vitória? Que fazem ao povo as vossas vitórias que não acabam com nada? É imperioso utilizar os meios extremos. Vós libertastes o país de uma chaga que o devora. O veneno é mais seguro que toda a vossa artilharia. Não receeis, pois, pô-lo em prática. Fazei envenenar as nascentes de água. Envenenai o pão que abandonareis à verocidade deste miserável exército de bandidos, e deixai que faça efeito. Tendes espiões entre esses soldados do Papa que uma criança conduz. Deixai-os com este presente e a pátria ficará salva. Vós matais os soldados de la Rochejaquelein a golpes de baioneta, matai-os a golpes de arsénico, isso é menos dispendioso e mais cómodo. Desvendo-vos este conselho ao qual já fiz aderir a minha sociedade popular e com sans-culottes como vós nada mais preciso de dizer.»
Estes projectos de envergadura, apesar de um começo de execução, são abandonados, por se revelarem inseguros, e substituídos por medidas empíricas pontuais como a guilhotina, alcunhada de «a navalha de barba nacional», «o moinho do silêncio» ou «a santa mãe», a bala, a baioneta, o sabre e acoronha das espingardas. Todavia, confessado pelos próprios republicanos, o conjunto destes meios é excessivamente lento, portanto ineficaz e, sobretudo, demasiado dispendioso; o carresco encarregado da guilhotina recebe 59 libras (50 libras para ele, 9 libras para o transportador) por cada cabeça cortada; as balas são raras e sobretudo destinadas ao esforço de guerra ligado à conquista exterior; as baionetas e os sabres quebram-se com demasiada facilidade sob os choques repetidos e as coronhas de que se servem como se fosse uma maça para fazer rebentar os crânios dos vendeanos alinhados em «rosário» não são suficientemente sólidas. E, mais ainda, os carrascos-soldados, insuficientemente aguerridos, tornam-se rapidamente ineficazes porque se revelam «demasiado sensíveis». Quanto ao problema financeiro, parte-se do princípio que o executado deve pagar a sua execução e, à falta disso, pagarão as comunas revoltadas e os departamentos, tudo completado pela venda em leilão das roupas, dos dentes, dos cabelos, etc, dos condenados. Racionalizar-se-á e globalizar-se-á o sistema pela Comissão de Subsistência, comissão dirigida pelo inspector-geral Jean-Baptiste Beaudesson, encarrega da pilhagem da Vendeia.
As cidades, grandes e médias, são transformadas em centros de extermínio através, entre outros métodos, das «antecâmaras da morte» e dos afogamentos. «As antecâmaras da morte», expressão de Carrier, são compostas por prisões, como a de Bouffay em Nantes, campos a céu aberto, sobretudo os campos das ilhas do Loire, e barco-prisões de Angers, de Ponts-de-Cé, nantes, etc. Estes lugares eram concebidos como outros tantos «mouroirs», segundo a expressão de moda em Nantes. Esperavam que os prisioneiros amontoados uns em cima dos outros fossem morrendo naturalmente, vencidos pela doença, ou então matando-se uns aos outros. na realidade, os resultados revelam-se desapontadores, pois «esses cães não rebentam tão depressa quanto seria de esperar»: verifica-se então ser necessário acelerar o processo e daí o recurso aos meios usuais, ou seja, à guilhotina, aos «fuzilamentos» em massa e aos afogamentos, fontes de grandes e alegres festividades e de banquetes nesses mesmo locais.

Fonte: O Livro Negro da revolução Francesa DIR. Renaud Escande

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