por Anselmo Borges
Não faz falta o pessimismo para sentir perplexidade e desalento face ao futuro da Europa. Jorge Semprún, por exemplo, esse grande espírito europeu, não sabe se o euro vai desaparecer, mas diz que é possível que desapareçam várias aquisições e teme o pior, pois precisamente "o pior é possível, incluindo a desarticulação europeia". E proclama: depois do esgotamento da luta contra o passado nazi e fascista, de um lado, e contra o totalitarismo Estalinista, do outro, "a Europa precisa de um novo motor ideológico e moral".
Donde vem a crise? Já em 1918, Oswald Spengler escreveu a obra polemicamente célebre: A decadência do Ocidente. De modo agudo, o eminente filósofo Edmund Husserl pronunciou, em Maio de 1935, em Viena, uma conferência famosa, subordinada ao tema A crise da humanidade europeia e a filosofia. A crise, segundo ele, deriva do positivismo, portanto, da redução das ciências ao puro conhecimento dos factos, esquecendo a subjectividade. Esta crise das ciências exprime a crise ético-política, dos valores e do sentido. A ciência positivista nada tem para dizer-nos: "As questões que ela exclui por princípio são precisamente as questões mais escaldantes na nossa época desgraçada para uma humanidade abandonada aos sobressaltos do destino: são as questões que dizem respeito ao sentido ou ausência de sentido de toda esta existência humana."
Claro que a nossa crise europeia tem a ver com a crise económico-financeira mundial, com a chegada ao palco da história dos países emergentes, como a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, a África do Sul, com problemas globais que só poderão encontrar solução no quadro de uma governança global. Mas o que tem feito a União Europeia para se tornar uma real União, com um projecto sólido económico-político, e não simples consórcio de negócios? Sobretudo, onde está a alma da Europa e os valores capazes de a cimentarem?
Como escreveu Theodor Dal- rymple, em Março passado, em The American Conservative, "num certo sentido, a Europa nunca esteve tão bem. Os progressos em termos de saúde e de riqueza foram prodigiosos. Apesar destes êxitos, há como que uma atmosfera de declínio. Os europeus, que nunca foram tão prósperos, olham para o futuro com temor, como se tivessem uma doença oculta que ainda se não tivesse manifestado mas devorasse já os seus órgãos vitais. Deus morreu na Europa e a sua ressurreição é pouco provável, excepto talvez na sequência de uma catástrofe. No entanto, nem tudo foi perdido na atitude religiosa. Cada indivíduo vê-se sempre como um ser único na sua importância, mas já não tem esse contrapeso da humildade própria de quem se sente um dever para com o seu Criador. Acima de tudo, a maior parte dos europeus já não crê num grande projecto político. Este miserabilismo leva a uma mistura de indiferença e de ódio face ao passado." E, depois de se interrogar sobre se os americanos terão algo a aprender com tudo isto, o autor conclui: "Uma sociedade moderna sã deve saber tanto manter-se como mudar, tanto conservar como reformar. A Europa mudou sem saber conservar: essa é a sua tragédia."
Com a morte de Deus, criou-se um vazio. Os europeus instalaram-se no ter e no prazer. Sem Deus, onde está o sentido que dá unidade? Não se pode esquecer o que já Nietzsche anteviu. O louco, em A Gaia Ciência, proclama "a grandiosidade do acto" de matar Deus, mas também pergunta: "Para onde vamos nós? Para longe de todos os sóis? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não andaremos errantes através de um nada infinito? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?" E Nietzsche, ele mesmo, sete anos antes de se afundar na noite da loucura, escreveu a Ida, mulher do seu amigo Overbeck, advertindo-a para que não abandonasse a ideia de Deus: "Eu abandonei-a, quero criar algo de novo, e não posso nem quero voltar atrás. Desmorono-me continuamente, mas não me importa". Sem Deus nem eternidade, na ditadura do presentismo consumista, hedonista, individualista, apenas restam instantes que se devoram na voragem do efémero.
sábado, 19 de junho de 2010
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