Continuação do livro Juízo Final, capítulo as "As Querelas de Bizâncio ou o Retorno do Destino" parte III, parte 1 (devido ao tamanho)
Boa Leitura!
Não cabe repetir aqui, nesta síntese e neste juízo final, quanto foi lembrado ou sugerido nas páginas que ficam para trás. Fiéis à nunca desmentida tradição, sempre bem documentada pela crónica histórica, o Mundo, a Europa, Portugal têm vivido nesta época de transição os seus sonhos, os seus anseios, os seus mitos em suma. Não é evitável o facto, não acarretaria mal para os homens se estes não lhes atribuíssem crédito cego, ou deles não fiassem o progresso, a liberdade, a felicidade eterna; e se não cruzassem os braços perante todo o esforço. Então podem sobrevir perigos. E estes são tanto mais graves quanto mais vulnerável for uma comunidade nacional, e mais cercada de riscos e ameaças estiver. Temos de ver, de repetir, de repisar que este é o caso de Portugal. E tomar plena consciência desta realidade é condição para a superar.
Em muitos passos se procurou sublinhar o teor dos perigos que rodeiam os Portugueses. Alguns têm a natureza episódica, e resultam precisamente da mitologia da época, e da entrega que lhe fazemos. Outros são consequência das atitudes dos Portugueses, e das suas características. Oportunismo, falta de sentido crítico, a já sublinhada ausência de autonomia mental, espírito utilitarista, obsessão com o imediato, carácter facilmente impressionável e influenciável, recusa a sacrifícios. E há por último os perigos que têm a sua raiz numa fatalidade geográfica: esta é insuperável: mas por acto de vontade firme e esclarecida dela nos temos defendido, e nos poderemos continuar a defender, se quisermos. Perante todos estes quadros de risco, são frágeis os nossos mecanismos de defesa. Em muitos campos, dir-se-iam mesmo inexistentes. Mas num terreno essa falta de sobrepõe a todos os demais, e aí se podem jogar os destinos dos Portugueses: o da defesa continuidade e projecção da identidade portuguesa. (Repete-se: a identidade portuguesa para subsistir, supõe o enquadramento nacional; e este implica por seu turno um Estado independente e soberano). E a pergunta, em que tudo o mais se concentra e se resume, parece ser esta: encontra-se a identidade portuguesa ameaçada?
Para maior objectividade, afigura-se preferível buscar noutros a resposta. Perante o que se tem designado pela participação ou identificação de Portugal com a Europa, e o contacto desprotegido com forças, culturas, princípios, ambições, estratégias, objectivos alheios – de vizinhos imediatos e de outros que o não são – encontra-se Portugal largamente desguarnecido, insensível ao deslizar, talvez lento mas firme, para transformações que podem atingir o seu cerne até à destruição. E assim não tem mecanismos de defesa: porque estes não surgem por acção espontânea em sociedades civis frágeis e porque as elites, por talvez não sentirem já Portugal, não suscitam a sua criação, e tem esta por inútil ou ridícula, quando não se lhe opõem. E assim está em jogo a identidade total do Portugueses – no plano cultural como político, no económico como sociológico. E ao aniquilamento da identidade portuguesa segue-se naturalmente, inevitavelmente, o aniquilamento de Portugal como povo autónomo, soberano, independente. Por outras palavras: como país, como Nação, como Estado. Para muitos em Portugal este arrazoado suscita um sorriso compassivo, próprio do desdém intelectual que é inerente às mentalidades muito altas e muito superiores. Para além das fronteiras, todavia, há também homens de consequência e de vasta compreensão; e estes, sem embargo de não serem portugueses, apercebem-se nitidamente da crua realidade que cerca estes. Pela comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia foi dirigida à Conferência Episcopal Portuguesa uma carta em que o problema é focado com nitidez(1985). Dizem os Bispos da Comunidade aos seus pares portugueses: a passagem da Comunidade de dez para doze membros representa um desafio, mesmo que se possa esperar da integração na CEE um novo impulso para o desenvolvimento económico e a redução de certas situações de pobreza, a preocupação da concorrência económica pode polarizar toda a existência e o materialismo aumentar ainda mais, E escrevem textualmente os Bispos da Comunidade aos Bispos de Portugal: “Nós compreendemos que partilhais alguns receios a esse respeito, bem como o de ver a Comunidade não transmitir-vos apenas o que tem de bom”. E acrescentam os Bispos estrangeiros: “É natural que também vos interrogueis sobre se esta integração europeia não comportará um certo risco para os valores que constituem a vossa identidade histórica, cultural e espiritual”. E neste particular como se pronunciaram os Bispos de Portugal? Em nota pastoral, emanada do Conselho Permanente da Conferência Episcopal, citam-se palavras de João Paulo II: “Depois de vinte séculos de história, não obstante os conflitos sangrentos que os povos da Europa enfrentaram e apesar das crises espirituais que marcaram a vida do continente – até pôr à consciência do nosso tempo graves interrogações sobre a sua sorte futura – deve afirmar-se que a identidade europeia é incompreensível sem o Cristianismo e que é precisamente nele que se encontram aquelas raízes comuns a partir das quais maturou a civilização do continente, a sua cultura, o seu dinamismo, a sua actividade, a sua capacidade de expansão construtiva também nos outros continentes; numa palavra, tudo o que constitui a sua glória”. (Continua)
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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